O World Energy Outlook 2023 (WEO) é realizado todos os anos pela Agência Internacional de Energia (AIE). O relatório é resultado da cooperação entre mais de 30 países membros e associados, visando estratégias para um cenário global de transição para energias renováveis e baixas emissões de gases de efeito estufa até 2050.
O relatório antecede a Conferência Climática COP28 que vai acontecer ainda este ano, em Dubai, no mês de dezembro. Conforme o relatório global de energia 2023, no cenário mundial, a procura por combustíveis fósseis ainda está muito alta em comparação ao que foi acordado no Acordo de Paris (COP21) para limitar o aumento das temperaturas globais médias a 1,5 °C. Ou seja, corremos o risco não só de agravar os impactos climáticos após um ano de calor recorde, mas também de fragilizar a segurança do sistema energético, que foi construído para um mundo mais frio e com menos fenômenos meteorológicos extremos. Inclinar a curva de emissões para uma trajetória consistente com 1,5 °C continua a ser possível, mas muito difícil. Os custos da inação poderão ser enormes, apesar do impressionante crescimento das energias renováveis, as emissões globais continuam a ser suficientemente altas para elevar as temperaturas médias globais em cerca de 2,4 °C neste século, bem acima do limite estabelecido no Acordo de Paris.
O WEO-2023 propõe uma estratégia global para colocar o mundo no caminho certo até 2030, que consiste em cinco pilares, que também podem fornecer a base para uma conferência COP28 sobre alterações climáticas bem-sucedida. São eles:
Triplicar a capacidade de energia renovável global;
Duplicar a taxa de melhorias na eficiência energética;
Reduzir as emissões de metano provenientes de operações de combustíveis fósseis em 75%;
Mecanismos de financiamento inovadores e em grande escala para triplicar os investimentos em energia limpa nas economias emergentes e em desenvolvimento;
Medidas para assegurar um declínio na utilização de combustíveis fósseis, incluindo o fim de novas aprovações de centrais elétricas alimentadas a carvão.
Geopolítica e energia
A geopolítica e a energia estiveram interligadas ao longo da era dos combustíveis fósseis, de um lado os importadores passaram a depender dos exportadores para o abastecimento, e os exportadores passaram igualmente a depender dos importadores para ter lucro. As relações políticas e comerciais entre produtores e consumidores diminuíram como forma de gerenciar essas dependências e os riscos são mitigados pelos mercados energéticos internacionais abertos, inicialmente para o petróleo, mais recentemente também para gás natural.
A invasão da Ucrânia pela Rússia proporcionou um duro teste à resiliência do sistema energético atual aos choques geopolíticos. Os aumentos de preços que se seguiram aos cortes no fornecimento de gás da Rússia foram prejudiciais, mas a tentativa da Rússia de utilizar o fornecimento de gás como chantagem política não funcionou. A Rússia perdeu o seu maior cliente, destruiu a sua reputação como exportador confiável e criou incentivos para que os consumidores considerassem alternativas ao gás natural. A sua quota de gás comercializado internacionalmente, que era de 30% em 2021, deverá cair para metade até 2030.
A recente crise mostrou como os acontecimentos geopolíticos podem afetar o setor energético global. No entanto, a relação funciona nos dois sentidos: as mudanças nos mercados energéticos também podem moldar a geopolítica. Como as transições energéticas prosseguem, elas mudam a demanda entre combustíveis e fontes de eletricidade de maneiras que afrouxam o controle dos grandes produtores de petróleo.
O processo de transição será longo mas os consumidores têm uma crescente
gama de opções de energias renováveis que se tornam mais atraentes a cada dia.
A tendência de implantação de energia solar fotovoltaica, veículos elétricos, baterias e bombas de calor são incentivadas principalmente nos países desenvolvidos. Atualmente, a cada 1 dólar gasto em combustíveis fósseis, 1,8 dólares são gastos em energias renováveis. Veja no gráfico abaixo:
O padrão de investimentos nos últimos anos começou a mudar o mundo para um sistema energético mais eletrificado e baseado em energias renováveis.
A estreita relação histórica entre o crescimento econômico global e a procura por combustíveis fósseis começa a diminuir com o surgimento de uma nova economia de energia renovável. Com base nas definições geopolíticas atuais, cada um dos três combustíveis fósseis regista um pico antes de 2030, e deve seguir em baixa nos próximos anos.
Projeção da demanda energética global (GDP) até 2050. Mudanças transformadoras em partes do sistema energético estão surgindo com foco para os próximos anos.
A fonte de energia solar fotovoltaica continua a ganhar impulso e crescer em ritmo acelerado em todas as projeções, complementada por um crescimento da energia eólica onshore e offshore. Aumentar a flexibilidade do sistema energético é fundamental para integrar as fontes renováveis e acelerar a transição do carvão e do gás natural na matriz elétrica.
Para atingir um cenário positivo nos próximos anos, as projeções consideram um cenário de Políticas Declaradas (STEPS) que considera o atual panorama político de cada região e as condições de mercado, e o cenário de Políticas Anunciados (APS), que assume todas as perspectivas de longo prazo. Juntos, estes países e regiões selecionados representam hoje quase 90% do consumo global de energia.
A implantação de tecnologias de energias renováveis remodelam o futuro mix de fornecimento de energia em todo o mundo.
Panorama na América Latina
A América Latina e o Caribe são uma região diversificada e estrategicamente importante, com fortes conexões com os principais mercados globais. Compreende 8% da população mundial e 7% do PIB global e é uma das regiões mais urbanizadas do mundo, com 82% dos habitantes vivendo em cidades. A sua economia hoje está intimamente ligada à produção de combustíveis, minerais e alimentos para exportação, altamente impactada pela volatilidade nos mercados internacionais e aos ciclos de preços.
Objetivos de emissões zero | Em vigor em 16 dos 33 países, representando 65% do PIB e 60% das emissões de CO2 provenientes da uso de combustíveis. Com todos os países assumindo compromissos de redução |
Metas de desmatamento | Em vigor em 8 países (Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominica, Guatemala, México e Suriname). |
Estratégia de hidrogênio | Em vigor em 8 países (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Panamá, Uruguai) e 4 países com estratégias anunciadas mas ainda em preparação (Bolívia, Paraguai, Peru, Trinidad e Tobago). |
Políticas para veículos de emissões zero | Em vigor em 16 países (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Equador, El Salvador, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Trinidad e Tobago, Uruguai). |
Sigma Lithium. Brasil.
A crescente demanda por tecnologias de energias renováveis oferece um espaço significativo para a expansão da produção na América Latina e exportação de minerais. A região já produz grandes quantidades de lítio, que é essencial para quase todos os tipos de veículos elétricos e baterias, bem como cobre e níquel.
A América Latina fornece 35% do lítio global e detém cerca de metade das reservas. É o lar de o chamado “triângulo do lítio” – uma região que abrange Argentina, Bolívia e Chile. Hoje, o Chile é responsável por 30% e a Argentina por 5% da produção global de lítio. Bolívia também tem recursos substanciais, porém, a falta de infraestrutura impede de explorar economicamente. Mais recentemente, a mina do Cirilos iniciou a produção no Brasil.
No cenário de políticas públicas assumidas, a procura por eletricidade aumenta ao longo do tempo, duas vezes mais rapidamente que a dos combustíveis fósseis. O consumo energético atual na América Latina é principalmente de petróleo, a maior parte do qual é usado em transportes, mas a participação do petróleo deverá diminuir à medida que os países buscam combustíveis alternativos para transporte.
O Brasil lidera na adoção de biocombustíveis, enquanto Chile, Colômbia, Costa Rica e México estão priorizando a rápida adoção de veículos elétricos.
O aumento do consumo de eletrodomésticos e aparelhos de ar condicionado leva a um maior uso de eletricidade nas residências até 2050, 67% da energia nas edificações será eletricidade. A energia elétrica na América Latina atualmente provém principalmente da energia hidrelétrica e do gás natural, mas a energia solar fotovoltaica e a eólica constituem a maioria do novo fornecimento de eletricidade nas políticas assumidas para os próximos anos. As fontes renováveis representaram mais de 60% da geração em 2022, a perspectiva é de um aumento para mais de 80% em 2050.
Custo da energia residencial
Em 2022, os orçamentos familiares foram reduzidos em todo o mundo como resultado do aumento do preço de energia. Os preços da eletricidade, do gás natural e de outros combustíveis já estavam elevados em 2021, mas aumentaram ainda mais após a invasão da Ucrânia pela Rússia.
No gráfico abaixo, a relação entre as despesas em energia domésticas e o rendimento médio familiar em países selecionados entre 2021 e 2022. Os preços da energia aumentaram acentuadamente em 2022. O Brasil consta como um dos países com a parcela gasta em energia residencial mais alta do mundo. Apesar de não apresentar incremento no ano de 2022, as famílias brasileiras ainda possuem uma parcela muito elevada da sua renda em gastos com energia, em comparação ao demais países.
Um dos desafios enfrentados pelo setor da construção civil está em proporcionar um crescimento urbano planejado com habitações eficientes, bem servidas por transporte público. A taxa de urbanização, espaço construído per capita, propriedade de ar condicionado e taxas de propriedade de automóveis em mercados emergentes e economias em desenvolvimento (exceto China) são muito mais baixos do que nas economias avançadas.
Até 2050, mais 1,8 bilhões de pessoas viverão em áreas urbanas em mercados emergentes, contribuindo para a duplicação do espaço construído residencial e para um aumento da procura de transporte urbano.
Para atingir os objetivos de um futuro com menos emissões de gases, em comparação com os edifícios construídos na última década, os edifícios construídos em 2030 são, em média, 15% mais eficientes conforme as Políticas Assumidas e podem chegar a 36% mais eficientes conforme os objetivos de longo prazo. No cenário de emissões zero (NZE) são 66% mais eficientes, com todos os novos edifícios a partir de 2030 estando preparados para emissões de carbono zero e uma maior percentagem de edifícios existentes em reforma buscando maior eficiência energética.
Em se tratando do consumo residencial, os eletrodomésticos constituem um obstáculo específico à maiores ganhos de eficiência, especialmente com o rápido crescimento na compra de eletrodomésticos e aparelhos de ar condicionado nas economias em desenvolvimento. No cenário de zero emissões, as lâmpadas de LED já representarão 100% da iluminação artificial até 2030. O desafio da arquitetura consiste em edificações com melhor desempenho térmico que reduzem o uso intenso de climatização até 2030.
Conforme a tabela abaixo, Japão e Coréia estão avançados em relação a legislações que garantem desempenho nas edificações, seguidos por Estados Unidos e Europa. A América Latina não possui demanda por aquecimento para figurar no gráfico porém possui demanda de resfriamento. Muitas políticas ainda estão em desenvolvimento e precisam de aceleração para manter as metas até 2030.
Principais políticas energéticas para edificações em cada região do estudo.
Conclusões
A situação difícil no Médio Oriente surge 50 anos depois do choque petrolífero que levou à fundação da Agência Internacional de Energia (AIE), criando ainda mais incertezas para uma economia global instável que está sentindo os efeitos de uma alta inflação e de altos custos para financiamentos.
A China, que tem uma influência descomunal nas tendências energéticas globais, passa por uma grande mudança estrutural em sua economia. A demanda de energia da China deverá atingir o pico em meados desta década, com o crescimento dinâmico contínuo de energias renováveis, diminuindo gradativamente a dependência de combustíveis fósseis.
As energias renováveis deverão contribuir com 80% da nova capacidade de produção de energia até 2030, segundo as atuais configurações políticas, sendo a energia solar, por si só, responsável por mais de metade desta expansão.
Nas palavras do diretor executivo da AIE, Fatih Birol, “A transição para a energia limpa está acontecendo em todo o mundo e é imparável. Não é uma questão de ‘se’, é apenas uma questão de ‘quando’ – e quanto mais cedo melhor para todos nós. Governos, empresas e investidores precisam apoiar as transições para energias limpas, em vez de impedi-las. Existem imensos benefícios em oferta, incluindo novas oportunidades industriais e empregos, maior segurança energética, ar mais limpo, acesso universal à energia e um clima mais seguro para todos. Tendo em conta as atuais tensões e volatilidade nos mercados energéticos tradicionais, as alegações de que o petróleo e o gás representam escolhas seguras ou protegidas para o futuro energético e climático do mundo parecem mais fracas do que nunca.”
Você pode assistir ao evento de apresentação do World Energy Outlook 2023 abaixo.
Fonte: IEA (2023), World Energy Outlook 2023, IEA, Paris https://www.iea.org/reports/world-energy-outlook-2023, License: CC BY 4.0 (report); CC BY NC SA 4.0 (Annex A)
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