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Foto do escritorMarcos Vinícius de Lima

O que é qualidade no projeto de arquitetura?

Este artigo retrata a opinião do seu escritor, considerando o desprezo que o mercado da construção civil tem para com o projeto arquitetônico. Nesse sentido, serão tecidas considerações sobre qualidade do projeto arquitetônico, seus aspectos objetivos e subjetivos.



A profissão do arquiteto possui um caráter transversal, no sentido de os serviços de arquitetura tocarem aspectos econômicos, culturais, sociais, técnicos e estéticos da sociedade. O resultado de seu trabalho é o ambiente construído que representa o patrimônio do amanhã, as edificações nas quais os cidadãos passam mais de 80% de seu tempo. Além disso, representa alto nível de investimento e sua realização, gestão e manutenção geram grande impacto sobre o meio ambiente.


Apesar disso, os programas brasileiros de qualidade, tais como o PBQP-H (Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade do Habitat) e ISO-9000 nunca perguntam sobre a qualidade do espaço arquitetônico a ser edificado.

Conforme os autores de L’architecture en questions, essa ausência de preocupação com o projeto conduz à hipótese de que:


“A concepção arquitetônica não é mais que um elemento menor de um processo onde comparecem outras vontades, notadamente das organizações, dos burocratas e do cliente. Eu admiro os arquitetos que chegam a realizar belos edifícios; seu mérito está à altura de seu talento, posto que tiveram que enfrentar e suplantar inúmeros obstáculos”.

Siegbert Zanettini.

Para o professor Siegbert Zanettini, em sua obra Arquitetura, razão e sensibilidade, qualidade é adequação à cultura, aos usos e costumes de cada época, ao ambiente no qual a obra se insere, à evolução científica, tecnológica e estética, à satisfação das necessidades econômicas e fisiológicas e direcionada à razão e à emoção do homem.


Assim como não se mede a qualidade de um vinho pela aparência de sua garrafa ou pela beleza de seu rótulo, não se pode medir a qualidade de uma edificação a partir das características dos materiais empregados, da aparência externa, ou, ainda, da economia gerada por uma construção bem gerenciada. Ainda citando Zanettini, “... não há obra de qualidade sem projeto, ou melhor, sem um bom projeto. Não é possível pensar hoje a cadeia produtiva da construção sem incorporar este aspecto”.


Conceito de qualidade arquitetônica

A qualidade de uma edificação é resultado, além dos aspectos acima citados, de muitos outros, tais como:


  • O bem-estar do usuário, cumprindo a função principal da arquitetura: o abrigo e a proteção do ser humano.

  • O bom projeto de arquitetura, para que assim possa ser considerado, precisa contemplar, em suas propostas, as melhores condições de conforto térmico e acústico.

  • Precisa estar atento às condições de salubridade dos espaços (sabe-se, por exemplo, que dormitórios abertos ao quadrante sul não oferecem condições adequadas de insolação).

  • Também não podem ser esquecidos os problemas colocados pela acessibilidade e segurança (em algumas cidades do Brasil esses aspectos já são exigências legais).

  • A qualidade de uma edificação precisa levar em conta os aspectos relativos à sustentabilidade e ao meio ambiente.


Complementando, o arquiteto inglês Piers Gough propõe, ainda, outras características para determinação do que vem a ser qualidade em arquitetura.


Piers. CZWG.
“... objetos que, além da sua qualidade como conjunto espacial e construção formal, se destacam por uma relação apropriada com o contexto circundante.”






O entendimento da arquitetura como profissão, disciplina com uma tradição técnica e compositiva que deve ser do domínio do arquiteto. Toda arquitetura de qualidade mostra uma relação direta entre forma e construção, apoiada na pertinência das escolhas de materiais, técnicas e formas.


Então por que a qualidade do projeto arquitetônico é colocada em segundo plano pelos empreendedores imobiliários?


Um dos problemas que parece ainda existirem na cadeia produtiva da construção civil é que existem conflitos entre os empreendedores do mercado imobiliário com os arquitetos, profissionais de criação, qualificação e execução, o que acarreta frequentes mudanças do partido arquitetônico dos projetos, nem sempre concluídos tal como foram concebidos inicialmente. Esse problema repousa sobre a relação arquiteto/cliente e, com certeza, o projeto e a obra arquitetônica são frutos dessa relação.


Essa relação nem sempre foi ou é conflituosa, entretanto, a introdução da “lógica comercial” tem trazido consigo desencontros de interesses que, talvez, sejam os responsáveis por esses conflitos.


Segundo Rino Levi:

Rino Levi.
“Arte é uma só. Ela se manifesta de várias maneiras, quer pela pintura, pela escultura, pela música ou pela literatura, como também pela arquitetura. Tais manifestações constituem fenômenos afins sem diferenças substanciais na parte que realmente caracteriza a arte, como manifestação do espírito. O arquiteto é antes de tudo um artista”.

Artigas, ao discutir o papel do arquiteto na produção de uma arquitetura que signifique “expressão da época em que viveu", explicitando, assim, que não o entende somente como um profissional da indústria da construção civil.


Da mesma forma, Le Corbusier reitera:


Le Corbusier.
“A arquitetura é um objeto de arte, um fenômeno de emoção a despeito das questões de construção. A construção é para sustentar o espaço construído. A arquitetura é para emocionar.”





Dessa forma, a produção do projeto para mercado coloca a contradição gerada quando o projeto é produzido com outros objetivos além de seu papel fundamental de abrigo. Atualmente, grande parte da produção do espaço carece de causas sociais pois está, predominantemente, a serviço do mercado e do lucro.


Outro aspecto interessante para reflexão é a indefinição existente sobre os conteúdos básicos de um projeto arquitetônico completo, com todas as informações necessárias para a execução adequada dos espaços projetados. As normas técnicas existentes que tratam desses conteúdos são superficiais e quase sempre ignoradas. As entidades de classe há anos vêm discutindo a necessidade de uma normatização sem, contudo, ter conseguido encaminhar essa discussão de forma ampliada, afinal, popularmente o que vale é aprovar uma planta na prefeitura e para isso engenheiro pode ser confundido com arquiteto e arquiteto com engenheiro. Quem define isso é o cliente, de modo como achar conveniente.


O Estado, por sua vez, enquanto regulador da produção em geral, tem se ausentado dessa discussão, as obras públicas continuam a ser contratadas sobre estimativas de custo elaboradas a partir do chamado Projeto Básico.


Como discutir a qualidade do projeto sem entrar em aspectos subjetivos?


Em primeiro lugar, as normas existentes precisam ser exigidas e respeitadas e será necessário que se defina claramente os conteúdos das diferentes fases dos

projetos arquitetônicos, assim como dos projetos complementares. Projeto arquitetônico não é maquete 3D, tão pouco se resume a fachada de folder imobiliário.


O clima de uma região predomina sobre todas as coisas


O clima é precondição para a criação de espaços arquitetônicos confortáveis aos seus usuários. Cabe, então, perguntar: os espaços propostos oferecem as melhores condições possíveis de conforto para seus usuários? Esse é um aspecto de fácil mensuração e é comum observar que os próprios empreendedores constatam esse problema, na medida em que vendem as unidades habitacionais com piores condições de insolação e ventilação por preço mais baixo que as outras em melhores condições.


Maus exemplos podem ser facilmente encontrados em todas as cidades do país. Os edifícios de apartamentos com quatro unidades por andar apresentam, muitas vezes, uma das unidades de cada andar com insolação totalmente insatisfatória (são os apartamentos voltados para o sul). Há uma total falta de postura objetiva do projetista diante desse problema; assim, encontram-se edifícios (às vezes de luxo) com dormitórios voltados cada um para uma face e, consequentemente, cada um com um tipo de insolação, como se o autor do projeto não tomasse uma decisão perante o problema.

Muitos autores de projetos defendem-se desse tipo de crítica apelando para a climatização dos ambientes, em atitude inconsequente diante das fontes de energia e seu uso desregrado e, em muitos casos, esses edifícios são chamados de “inteligentes”, mesmo com uma de suas faces, de vidro do piso ao teto, voltadas para o sol poente com todos os problemas que tal posicionamento acarreta.


Dimensionamento


Muitas vezes, em observação mais crítica e objetiva, percebe-se a inadequação das dimensões propostas. São salas de televisão nas quais o observador fica extremamente próximo da tela, são dormitórios em que, para se abrir a janela é preciso subir na cama; são cozinhas onde não se consegue colocar os equipamentos necessários, para não falar nos dormitórios que em função da legislação passaram a ser chamados “depósitos”, mas, de fato, serão dormitórios, e assim por diante.


Da mesma forma existem garagens que não permitem uma adequada circulação

dos veículos, assim como pilares mal colocados que impossibilitam a flexibilidade dos espaços propostos. Assim como afirma Zanettini, “arquitetura e estrutura nascem juntas e se desenvolvem juntas, uma complementando a outra – o todo arquitetônico se manifesta por sua importante parte e esta, por sua vez, contém o todo”. Entre aspectos de técnicas, formas, economia, segurança, acessibilidade, sustentabilidade e bem-estar que não são levados em consideração, porém, exaltam-se aspectos como luxo, sofisticação, alto padrão e uma cópia de estilos arquitetônicos sem nenhum contexto.


Nosso objetivo é valorizar a arquitetura e o trabalho do arquiteto. É importante salientar também a necessidade de estender-se essa reflexão para todos os projetos complementares intervenientes na produção das edificações, principalmente na produção para mercado, na medida em que a qualidade arquitetônica depende também da qualidade de todos os projetos complementares.


Em um universo que podemos utilizar a tecnologia como Inteligência Artificial para produzir plantas e até mesmo fachadas, a importância do arquiteto deve ser sempre mencionada do ponto de vista da qualidade na arquitetura, onde não podemos deixar que o mercado da produção em série sobressaia sobre a arte da arquitetura.


Qual é a sua percepção sobre esta, importante e até polémica, visão? Compartilhe aqui nos comentários, ou envie uma mensagem em nosso WhatsApp e vamos conversar a respeito.


Conteúdo escrito pelo Arquiteto, Fundador e gestor da LabZeb e Membro Green Building Council Brasil, Marcos Vinícius de Lima.





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