A Eficiência energética nasceu em um contexto de crise e elevações tarifárias, permanecendo atual em razão do sucesso das ferramentas legais e do avanço tecnológico relacionados ao tema. Com o objetivo de aproveitar as condições climáticas locais para gerar maior eficiência energética em uma edificação de escritórios, é apresentado nesse estudo de caso uma edificação modelo que utiliza estratégias de arquitetura passiva.
As técnicas de tecnologias passivas levam em conta as condições climáticas locais para atingir os níveis desejados de conforto e eficiência energética. As estratégias passivas tomam partido das envolventes da edificação e não demandam de nenhum tipo de energia elétrica para seu funcionamento. Antes de pensar em conectar na tomada um aparelho para climatizar ou iluminar o ambiente, é preciso extinguir todas as possibilidades que as estratégias passivas oferecem.
Inicialmente no processo de projeto, o arquiteto deve conceituar as seguintes temáticas: sistemas de climatização passiva (orientação dos ambientes e proteção do envelope), sistemas naturais e artificiais (impacto do entorno, ventos dominantes, sombreamentos e permeabilidade) e sistema de climatização artificial para resfriamento e aquecimento. Neste contexto, um projeto de arquitetura adequado às variáveis ambientais e com a utilização de elementos de arquitetura bioclimática, está no caminho para a adequabilidade ao clima local, minimizando gastos com iluminação e climatização dos espaços.
O setor das edificações comerciais consome 16,01% da energia elétrica do país, estima-se que 50% é consumo em iluminação e 34% para climatização, sendo que esses valores aumentam a cada ano. Utilizar equipamentos eficientes que geram baixa carga térmica na edificação e baixo consumo de energia elétrica, como lâmpadas de LED e luminárias de faixo luminoso direcional e aparelhos condicionadores de ar de melhor eficiência auxiliam no desempenho ambiental da edificação.
O projeto foi desenvolvido para a cidade de Arvorezinha, Rio Grande do Sul, inserida na Zona Bioclimática Dois (ZB2). Na localidade considera-se que o período de desconforto por frio é superior ao período de desconforto por calor, conforme dados do Instituto Nacional de Meteorologia coletados em uma estação meteorológica na região.
Neste trabalho foi abordado o sistema solar passivo, o qual consiste na orientação das áreas de trabalho ao nascente e norte, visando obter maior período de iluminação natural no interior da edificação, acarretando em redução da energia elétrica necessária para iluminação no plano de trabalho.
Muitas edificações abrangem uma variedade de atividades com diferentes tarefas visuais e, portanto, diferentes requisitos de iluminação. As áreas mais próximas à envoltória da edificação têm maiores oportunidades de iluminação natural. Se as atividades forem zoneadas de forma que aquelas que exigem iluminação estejam localizadas próximas às aberturas da fachada e aquelas que não precisam de iluminação forem localizadas no interior da edificação, então a quantidade de pele, relativamente cara, pode ser reduzida, devido a uma menor razão entre a pele e o volume. As taxas de uso de energia elétrica e, por consequência, os ganhos térmicos também são reduzidos.
Dividimos as atividades em três grupos principais: trabalho de escritório, que requer altos níveis de iluminação, salas de reuniões, que são utilizadas coletivamente e requerem níveis menores, e área de recepção e circulação, que requerem níveis mínimos para circulação diurna. O edifício comercial não tem funcionamento noturno.
As áreas de trabalho estão próximas às aberturas da pele, ao longo da parede de perímetro com brises próximos produzindo iluminância indireta durante o dia. Salas de reuniões possuem aberturas maiores e voltadas ao sul com níveis menores de iluminância pois serão usadas com menor frequência e a circulação possui controle de iluminação com uma fachada composta onde a insolação norte é controlada e a sul permite iluminação indireta e visuais integrados ao exterior.
A modelagem da edificação busca aliar uma estética contemporânea com formas puras e elementos construtivos tradicionais integrados com componentes de tecnologia avançada, como blocos cerâmicos, vidros e pele metálica, que remetem a uma edificação comercial de valor tecnológico arrojado. A escolha por uma textura de madeira no revestimento externo remete à matéria prima base de toda a empresa.
A edificação do estudo está inserida em uma área de 1.773,96 metro quadrados, localizada no acesso principal de uma gleba de 10.500,00 metros quadrados, onde encontra-se o parque industrial da empresa. A tipologia do entorno inclui edificações térreas num perímetro de 100 metros e um conjunto de pavilhões localizados à aproximadamente 50 metros ao leste da edificação.
O conjunto arquitetônico possui 292,56 metros quadrados divididos em dois pavimentos, onde o zoneamento é através do uso por parte dos funcionários, onde a maior taxa de ocupação (escritórios) dar-se-á no período das 9 horas até as 18 horas, localizada à leste, na principal face ventilada e com aberturas na principal insolação, onde o uso da iluminação natural indireta aliada a ventilação cruzada pode gerar resfriamento do calor dos ambientes e menor consumo\aquecimento do ar por parte dos equipamentos de iluminação artificial. Bloco de serviços e sanitários encontra-se na zona de menor insolação e ventilação, compondo o apoio de acesso secundário e volumetria de áreas molhadas.
A sala de reuniões e a sala multiuso possuem acesso independente e são hierarquizadas em diferentes níveis, possibilitando barreira acústica entre os diferentes usos da edificação e mantendo o controle de acessos. Conforme demonstra a Figura 2, a recepção localiza-se a oeste, onde possui pé direito duplo e volumetria a fim de aproveitar a geometria solar para melhor aproveitamento da iluminação indireta e evitar possibilidades de superaquecimento no período de verão, através da utilização de brises verticais inclinados. Além disso, foi feito um rasgo no canto da edificação para impedir que a insolação oeste seja excessiva na proximidade da porta de acesso, onde o uso de fechamento translúcido é predominante.
Os brises utilizados para a insolação leste nas zonas de escritórios foram projetados de forma horizontal, sombreando o período a partir das 10 horas, mas permitindo iluminação indireta refletida pela bandeja de luz de cor branca. Os brises voltados para a insolação norte são compostos de painéis horizontais e duas grelhas móveis verticais, visando diminuir os ganhos térmicos no período após as 16 horas no verão e a iluminância excessiva que pode ocasionar ofuscamento.
Áreas de circulação estão no eixo central, organizando a edificação e permitindo uma permeabilidade do fluxo de ar por todo o interior, com peles de vidro sombreadas que permitem a livre circulação no período comercial sem uso de iluminação artificial. Sala de reunião e sala multiuso possuem acesso independentes e hierarquizadas em diferentes níveis, possibilitando barreira acústica entre os diferentes usos da edificação e mantendo o controle de acessos. A recepção localiza-se a oeste, onde possui pé direito duplo e layout volumétrico a fim de tirar partido da geometria solar para melhor aproveitamento da iluminação indireta e evitar possibilidades de superaquecimento no período de verão.
A locação da edificação e sua modulação em blocos permite que seja executada ampliação da área de escritórios em uma futura expansão da marca, sem prejudicar o conforto funcional, ergométrico das salas e as estratégias de iluminação natural e ventilação, bem como aproveitar o eixo central de circulação mantendo a recepção funcional.
O desempenho térmico foi analisado para uma edificação inserida na ZB2, de acordo com a atual versão da NBR 15.220. Valores de transmitância, resistência, atraso térmico, fator de ganho de calor solar de elementos transparentes foram considerados na escolha do método do fechamento do envelope da edificação, nos materiais que compõem os fechamentos verticais, laje superior e cobertura, esquadrias projetadas em PVC com alta estanqueidade e vidros de proteção solar. Os fechamentos internos contam com uma grande parede de elevada inércia, fazendo a separação entre recepção e bloco de uso da edificação por parte dos funcionários, fechamentos leves e divisórias de vidro foram escolhidos entre escritórios e áreas de apoio.
Fachada principal OSO é voltada para a rampa de acesso de pedestres e veículos. Brises verticais proporcionam sombreamento no período da tarde até as dezoito horas, a pintura branca proporciona iluminação indireta no ambiente, colaborando com a eficácia e economia das luminárias. Os elementos de vidro são recuados e angulados na porta de acesso, para não super aquecer no período da tarde no verão, pois não possui brises verticais na porta, apenas cobertura horizontal. Proteção na porta principal serve de apoio ao letreiro da empresa para visual merchandising.
Fachada SSE, zoneada com área multiuso no térreo e sala de reuniões no pavimento superior, ficando oposta ao acesso de veículos para barrar o ruído. A menor insolação foi aliada a uma área de preservação da paisagem natural do lote, sendo possível usar elementos de vidro verticais na altura da fachada e criar uma integração dos ambientes com o paisagismo da implantação. As esquadrias seguem o layout dos brises verticais que protegem a insolação do final de tarde no período de verão.
Sala multiuso equipada para reuniões ou capacitação de funcionários. A sala com insolação SSE recebe pouca radiação solar direta, justificando o uso maior de aberturas de vidro para ventilar e integrar o ambiente ao paisagismo na fachada onde não há movimento de veículos. Persianas móveis internas são usadas para garantir privacidade e maior contraste em caso de uso de projeção em reuniões. Forro acústico e luminárias independentes.
Acesso principal ao interior da edificação, ambiente da recepção, insolação OSO. Imagem de simulação em um dia típico de céu claro entre 16 e 17 horas. Não há insolação direta no interior da edificação pelo uso de brises verticais, possibilitanto um nível de iluminância desejável para execução de tarefas sem necessidade de iluminação artificial. Cores predominantemente claras e primeiro plano em madeira e pedra, condições visuais confortáveis auxiliando na iluminância.
A projeção da carta solar (acima) para cada orientação nos permitiu modelar o envelope da edificação com distintos sistemas de brises e aberturas, visualizando a edificação como um organismo, onde cada uma de suas faces externas responde de modo controlado e auxilia as demais faces no condicionamento interno dos ambientes. Permeamos os ambientes para as melhores visuais do paisagismo existente no exterior e colocamos as zonas de tráfego mais intenso junto à circulação horizontal para criar barreiras contra o ruído externo. Percebe-se que os níveis elevados de radiação solar são barrados na fachada pelos diferentes sistemas de brises compostos em cada orientação, diminuindo a carga térmica resultante mas permeando naturalmente iluminância em níveis desejáveis nas áreas de uso comum, recepção e escritórios.
Qualidade do ar - ventilação natural
Da mesma forma como a iluminação natural foi diretriz para o zoneamento e posicionamento dos ambientes, as direções e pressões predominantes de tomadas de ar foram consideradas na hierarquia dos usos. A permeabilidade do núcleo da edificação cria uma zona de amortecimento térmico e higienização do ar da edificação.
O edifício funciona como um organismo onde todos os sistemas de esquadrias para ventilação, brises para proteção térmica e lumínica e o correto controle dos equipamentos por parte do usuário tornam a edificação adaptável para as condições climáticas da zona 02 para obter conforto no período de uso.
As estratégias de ventilação contemplam captação dos ventos pela maior extensão de fachada e renovação do ar na edificação com aberturas de esquadrias opostas. Os brises voltados ao norte diminuem a velocidade dos ventos que não encontram barreiras no entorno, e não agregam ruídos no interior da edificação. Com a permeabilidade horizontal e vertical da circulação central, o ar é renovado constantemente por meio da ação do usuário, uma vez que não é necessário climatizar o centro da edificação.
Nos ambientes de permanência prolongada buscou-se melhores condições de conforto e salubridade com a ventilação mecânica de ventiladores de teto, que agem para maximizar a ventilação cruzada natural, melhorar as condições de umidade relativa e sensação térmica do usuário sem a necessidade de gastos energéticos excessivos com condicionamento de ar.
Eficiência Energética
Ao analisarmos o clima local percebe-se que na grande maior parte das horas do ano os usuários estão com temperaturas fora da zona de conforto por frio, onde a zona de conforto térmico adaptativo encontra-se muito acima de temperaturas externas mensais.
As estratégias de isolamento térmico da envoltória e aquecimento solar passivo foram utilizadas e simuladas conforme regulamento brasileiro, em condições de ventilação natural (sem climatização), conforme o gráfico ao lado, obtendo valores de conforto em mais de 80% das horas do ano.
Para o estudo de cobertura foi considerado sistema construtivo composto pelos seguintes elementos: telha metálica com poliestireno, isolamento com poliuretano expandido (2cm), sistema estrutural em laje pré-moldada preenchida com EPS e acabamento interno em gesso. Para os fechamentos verticais foram considerados elementos construtivos conforme a indicação da norma NBR 15.220 para a ZB2, compondo um sistema de bloco cerâmico 9x14x24, argamassa interna e externa, camada de poliestireno expandido para isolante externo e acabamento com placa melamínica externa. Os vidros considerados na edificação possuem fator solar 0,21 da linha cool lite ST 120 SILVER Cebrace (CEBRACE, 2018) compondo esquadrias com certificação de estanqueidade.
As células fotovoltaicas (CF) convertem luz solar em eletricidade corrente direta gerando energia de forma sustentável. Assim como qualquer superfície de coleta solar, os fotovoltaicos coletam mais sol quando estão corretamente orientados. Projetamos os diferentes volumes de cobertura com distintas inclinações para poder maximiza a geração de energia, onde o módulo central não está sombreado, possui grande área e inclinação (variável em até 30 graus) para poder se adaptar aos módulos fotovoltaicos com a correta orientação norte.
O sistema será ligado diretamente à rede concessionária local, onde, aliado aos equipamentos eficientes, projeto de luminárias que contempla circuitos que são acionados independentes para melhor aproveitar as áreas iluminadas próximas as aberturas e a correta utilização pelo usuário, irão gerar uma economia de mais de 20% mensal, considerando a área mínima para painéis fornecida pela concessionária.
A avaliação de estratégias passivas em conjunto com simulação computacional é de extrema importância na etapa de projeto, pois permite validar com dados estratégias que realmente podem fazer efeito na economia de energia e na resiliência da edificação.
Este estudo de caso foi publicado no livro Arquitetura e Urbanismo: Abordagem abrangente e polivalente, e você pode acessar a publicação aqui.
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