As mudanças comportamentais estão entre as formas mais rápidas e econômicas de reduzir a demanda de energia nos edifícios. O comportamento energético das pessoas é moldado pelo uso de tecnologias físicas e digitais. Edifícios em ruas arborizadas, por exemplo, proporcionam bem estar, permitindo um maior controle climático pelo usuário através de fachadas bem isoladas com abertura de janelas e do ajuste de persianas.
Edifícios que permitem integração com a temperatura externa dão aos usuários a responsabilidade sobre controlar a temperatura interna conforme a necessidade de conforto de forma comportamental, ou seja, abrindo uma janela para ventilação no verão ou fechando uma persiana em momentos de insolação direta, como consequência isso reduz a sensibilidade térmica dos ocupantes, alargando a gama de temperaturas em que se sentem confortáveis.
De forma ampla, podemos resumir as pesquisas sobre o tema conforto ambiental em 4 momentos. Os primeiros trabalhos foram de Houghten e Yaglou (1923) tratando da temperatura efetiva. Após, Winslow, Herrington e Gagge (1937) propõem uma temperatura operativa. Alguns anos depois o trabalho de Fanger (1972) sobre o voto médio previsto (PMV) e Humphreys (1976) com o modelo adaptativo nos trazem conceitos contemporâneos sobre o conforto adaptativo, inicialmente no ambiente de trabalho.
O PMV (Voto médio predito) é um método estático, em ambientes controlados, sendo um índice que prevê um valor médio de sensação térmica de um grande grupo de pessoas, segundo a escala de 7 pontos. Foi criado através de análises estatísticas de acordo com resultados obtidos por Fanger (1972) em estudos na Dinamarca em câmaras climatizadas. Nesses estudos as pessoas registravam seus votos através da escala sétima. Devido à variação biológica entre as pessoas, é impossível que todos os ocupantes de um ambiente se sintam termicamente confortáveis ao mesmo tempo. O PPV (porcentagem de pessoas insatisfeitas) estabelece a quantidade estimada de pessoas insatisfeitas dentro de um ambiente.
O princípio da teoria de adaptação é que, ao ocorrer uma mudança de temperatura que cause desconforto, as pessoas reagem de maneira a restaurar seu conforto naquele ambiente. Para isso são considerados fatores comportamentais (roupas, abrir janelas, ligar ventilador), fisiológicos e psicológicos.
Atualmente, a ASHRAE (2020) reconhece o valor de temperatura neutra para ambientes naturalmente ventilados em edifícios de escritórios, como forma de criar ambientes aceitáveis. Esse foi um marco importante para a evolução do projeto arquitetônico com preocupações ambientais pois permite, a partir da simulação computacional, predizer condições de conforto na etapa de projeto e avaliar de acordo com as estratégias integradas, e não mais apenas empiricamente.
As pessoas que vivem permanentemente em ambientes com ar condicionado desenvolvem grandes expectativas com relação ao controle e a homogeneidade da temperatura dos ambientes, sendo mais sensíveis a pequenas variações de temperatura fora da zona restrita em que estão acostumadas, ocasionando stress térmico com facilidade. Por outro lado, os usuários que vivem em ambientes não climatizados são mais capazes de controlar seu ambiente e habituam-se à variabilidade climática e a diversidade térmica com maior tranquilidade. Assim, suas preferências térmicas estendem-se a uma ampla gama de temperatura e de velocidades do ar.
Nesse contexto, os edifício que não são climatizados o tempo todo e possuem ventilação natural, têm flutuações de temperaturas internas relacionadas com a temperatura exterior, e nessas condições verificou-se que a variação da temperatura de conforto das pessoas é diferente em condições térmicas estreitas do método PMV, introduzindo-se então o novo conceito de adaptação térmica e modelo adaptativo para zona de conforto (Humphreys, 1978).
Conforto adaptativo
O conceito baseia-se na construção de uma zona de conforto, onde os ocupantes dos edifícios têm o potencial de se ajustar e encontrar condições de conforto por meio de ações, como a troca de roupas, atividades, ambientes e manejo da própria edificação, como aberturas de janelas, persianas e etc. O usuário pode (e deve) interferir no clima interno de acordo com a sua preferência pessoal, atingindo um nível de conforto e economia de energia. Ao contrário dos edifícios tradicionais de escritórios, onde os usuários não possuem nenhum controle e vivem em ambientes climatizados em uma temperatura constante e sem renovação de ar, sem nenhuma adaptabilidade ao próprio ambiente e ao clima exterior.
De acordo com o método, a temperatura operativa interna não deve ultrapassar os limites máximos e mínimos de temperatura externa. A relação entre as temperaturas operativas internas e temperaturas externas pode ser analisada graficamente, através da imagem abaixo. Os limites máximos e mínimos de aceitabilidade para 80% dos usuários são calculados através das equações:
Limite superior de 80% de aceitabilidade (ºC) = 0,31 x tpma(out)1 + 21,3.
Limite inferior de 80 % de aceitabilidade (ºC) = 0,31 x tpma(out) + 14,3.
Se a temperatura calculada para o ambiente estiver dentro dos limites, considera-se que o usuário estará em conforto, pois poderá se adaptar facilmente as condições climáticas. Apenas em dias atípicos de temperaturas extremas (fora dos limites de calor e frio) o usuário mesmo com adaptação poderá então utilizar climatização artificial.
Ao alterar as expectativas convencionais de controle rígido de temperatura uma grande quantidade de energia consumida na climatização de edifícios é economizada, e ainda melhora a qualidade ambiental dos edifícios. Estudos em prédios na cidade do Rio de Janeiro demonstram uma economia de 22% de energia de climatização para resfriamento anual ao modificar as condições de conforto dos usuários (Marcondes, 2010).
Para conseguir implementar essa estratégia, a alteração comportamental precisa estar acompanhada de uma nova percepção na hora de projetar as edificações, buscando responder melhor ao clima local, ou seja, o conforto está relacionado com a temperatura média do ar externo. Você, arquiteto, está preparado para usar a temperatura como condicionante nos projetos?
Humphreys (1976) sugeriu que, para um grupo de pessoas, o conforto térmico é condicionado pela temperatura prévia média do ar externo ao qual esse grupo está exposto. Nesse sentido, o usuário tem maior liberdade até mesmo para escolher em qual lugar da edificação ele prefere trabalhar dependendo da hora e da atividade, buscando uma melhor aclimatação. Em projetos de escritórios contemporâneos, onde os ambientes são integrados e com estações de trabalho, as pessoas estão mais abertas a interagirem com os locais, por exemplo.
Como consequência observa-se que os habitantes de climas mais quentes se adaptam naturalmente a temperaturas mais elevadas, e habitantes de climas frios possuem melhor aceitação a temperatura médias mais baixas. As edificações devem responder de forma diferente a necessidade de conforto de cada usuário em cada clima de forma diferente, ao invés de buscar uma climatização uniforme e artificial.
O projeto deve prever ambientes com possibilidades de variações, ajustes, flexibilidade dentro de um caráter ergonômico e cognitivo. Proporcionar a possibilidade de ajuste das temperaturas de aquecimento e resfriamento dos espaços pode reduzir o uso de climatização em temperaturas médias poupando energia e, por consequência, as emissões de carbono.
Um marco global importante para a mudança comportamental no setor da construção no Cenário de Emissões Líquidas Zero até 2050 exige que as temperaturas de verão dos ambientes sejam limitadas a 19-20°C e as temperaturas de inverno a 24-25°C até 2030.
Atualmente, os elevados preços da energia obrigam os usuários a pensar em medidas de eficiência energética e nas mudanças de comportamento que poderiam poupar energia. A simulação da Agência Internacional de Energia sugere que as alterações no ponto de ajuste do termostato poderiam reduzir o uso de energia dos edifícios, sendo uma medida de descarbonização necessária no setor das edificações.
Algumas medidas iniciais são fundamentais para iniciar um projeto mais adaptativo:
Aprendizado na observação: Conhecer edifícios existentes no clima e realizar constantes simulações computacionais trazem bagagem para entender quais soluções já foram testadas e não funcionam e quais funcionam melhor;
Princípios bioclimáticos: Conhecer os princípios básicos de arquitetura passiva;
Simulação computacional: É imprescindível o uso de simulação energética para o projeto adaptativo;
Princípios globais versus aplicabilidade local: Algo que funciona bem em um contexto pode não funcionar em outro;
Iluminação natural e controle solar: São tópicos ainda mal compreendidos por arquitetos e estudantes, exigem maior aprofundamento;
Tendências de comportamento, estilo de vida e mudanças climáticas: Tópicos fundamentais que moldam o ambiente em que vivemos e que iremos viver no futuro;
Senso crítico: Fundamental para evitar desperdício de tempo e analisar dados com maior perspicácia. Seja crítico com a estética.
Você quer aprender a analisar a eficiência energética e o impacto das estratégias de arquitetura do seu projeto ?
Entre em contato no link abaixo e marque uma assessoria com a nossa equipe de especialistas.
Fontes:
IEA (2022), Renovation of near 20% of existing building stock to zero-carbon-ready by 2030 is ambitious but necessary, IEA, Paris https://www.iea.org/reports/renovation-of-near-20-of-existing-building-stock-to-zero-carbon-ready-by-2030-is-ambitious-but-necessary, License: CC BY 4.0
IEA (2022), Residential behaviour changes lead to a reduction in heating and cooling energy use by 2030, IEA, Paris https://www.iea.org/reports/residential-behaviour-changes-lead-to-a-reduction-in-heating-and-cooling-energy-use-by-2030, License: CC BY 4.0
HOUGHTEN, F,C.; YAGLOU, C. P. Determining lines of equal comfort. Transactions os the American Society os Healtinh and Ventilating Engineers (ASHVE), v.29, p-163-169, 1923.
WINSLOW, C. E. A.; HERRINGTON, L. P.; GAGGE, A. P. Relations between atmospheric conditions, physiological reactions and sensations of pleasantness. American Journal of Hygiene, v.26, n.1, p.103-115, 1937.
FANGER, P. O.; Thermal confort: Analysis and application in environment engineering. New York: McGraw Hill, 1972.
HUMPHREYS, M. A. Field studies of thermal comfort compared and applied. Building Services Engineer, v.44, p. 5-27, 1976.
HUMPHREYS, M. A. Outdoor temperatures and confort indoors. Building Research and Practice, v.6, p 92-105, 1978.
ASHRAE - AMERICAN SOCIETY OF HEALTING, REFROGERATING AND AIR CONDITIONING ENGINEERS. Standard 55-2020. Thermal Environmental conditions for human occupancy. Atlanta, 2020.
Comments