A arquitetura passiva é uma abordagem baseada no aproveitamento das condições naturais para reduzir a necessidade de controle climático artificial ou mecânico. Também pode ser chamada de arquitetura bioclimática.
A arquitetura passiva existe desde a antiguidade. Sócrates (469-399 a.C.) descreveu esta arquitetura:
Baseando-se na casa grega, modifica sua planta para dar-lhe uma forma trapezoidal e conseguir captar mais energia solar no inverno, mantendo o conforto no verão graças aos beirais que sombreiam as varandas.
Estratégias de arquitetura passiva propostas por Sócrates no século IV a.C. Aproveitamento da insolação e proteção dos ventos no inverno, sombreamento no verão.
Sócrates já imaginava no século IV a.C que a otimização do layout arquitetônico, os materiais, as aberturas e a orientação de um edifício podem aproveitar ao máximo os elementos naturais, melhorando em última análise o conforto ambiental.
Tais estratégias foram esquecidas ao longo do século XX, sobretudo no auge da arquitetura do Estilo Internacional no pós-guerra. Como o próprio nome sugere, o estilo internacional se desvincula do local onde a edificação está inserida para aplicar um mesmo projeto internacionalmente. Neste sentido, o projeto e a execução levaram em consideração os aspectos simbólicos e estéticos, funcionais e econômicos, e deixaramm de lado os aspectos climáticos e humanos da arquitetura.
O Estilo Internacional se tornou o preferido nos Estados Unidos, pois estruturas grandes, elegantes, fachadas inteiras de vidro e aço puderam ser construídas de forma eficiente e barata, utilizando métodos de produção e fabricação em massa. Muitos países (como o Brasil) copiaram esse estilo como forma de demostrar poder econômico através de fachadas envidraçadas e prédios altos. Grande parte do Estilo Internacional começou a se sentir como muito do mesmo e facilmente repetitivo.
Com a crise do petróleo nos Estados Unidos nos anos 70 a preocupação com os aspectos ambientais das edificações ressurge, dando vida novamente ao debate sobre os motivos das pessoas necessitarem tanta energia para condicionar os ambientes e questionando se seria possível uma arquitetura que necessitasse menos energia para garantir condições de conforto. Na atualidade, a inquietude em relação ao clima se soma com o papel da energia necessária para construção e manutenção das edificações ao redor do mundo.
O consumo da energia no decorrer do uso das edificações é responsável pela maior parte das emissões de gases de efeito estufa (GEE) do setor da construção. É fundamental compreender a ligação do projeto de arquitetura bioclimática na construção ou reciclagem das edificações.
Atualmente, estudos da Agência Internacional de Energia apontam que as operações dos edifícios são responsáveis por 30% do consumo global de energia final e por 26% das emissões globais relacionadas com a energia. Em 2022, o consumo de energia no setor dos edifícios aumentou cerca de 1% e as emissões indiretas das operações dos edifícios cresceram cerca de 1,4% em 2022. A eletricidade representou cerca de 35% do consumo de energia dos edifícios em 2022, contra 30% em 2010, representando um crescimento do consumo elétrico no mundo todo.
O uso operacional de energia em edifícios representa cerca de 30% do consumo global de energia final. Em 2022, pelo segundo ano consecutivo, o arrefecimento ambiente registou o maior aumento em todas as utilizações finais dos edifícios, mais de 3% em comparação com 2021. Em contrapartida, o consumo de energia para aquecimento ambiente diminuiu 4%, impulsionado principalmente por um inverno ameno em diversas regiões, incluindo a Europa.
No Brasil, as edificações consomem 51,2% da eletricidade gerada no país (gráfico abaixo) conforme o último Balanço Energético Nacional. Somente o setor residencial representa 27% desse consumo.
E quando olhamos apenas para o consumidor residencial, conforme pesquisa de posses e hábitos (PPH) da Eletrobras (gráfico abaixo), considerando todas as regiões do país e classes sociais, mais de 75% das pessoas utilizam ar condicionado de forma intensa o ano inteiro, representando que há pouca diferença em usar climatização em períodos muito quentes ou muito frios, as casas não estão proporcionando conforto.
Para acomodar a maior onda de crescimento de edifícios na história da humanidade, de 2020 a 2060, estudos da organização Architecture 2030 revelam que cerca de 240 bilhões de metros quadrados sejam construídos no mundo todo, é o equivalente a adicionar uma cidade de Nova Iorque ao parque imobiliário do mundo, todos os meses, durante 40 anos.
Neste contexto alhar atentamente a arquitetura passiva deve trazer um impacto positivo ao reduzir a necessidade de sistemas de climatização que dependem de recursos finitos e não renováveis. Quando diminuímos a nossa dependência de eletricidade e climatização, aliviamos a carga sobre estes sistemas ao longo de toda a vida útil da edificação. Como resultado, esta redução na procura leva a uma menor utilização de combustíveis fósseis.
No Brasil, a produção de energia elétrica possui grande parcela de fontes termoelétricas, principalmente nos períodos de seca, onde o uso de climatização de resfriamento é intenso. Estratégias que diminuam esse consumo colaboram com a redução da queima de combustíveis para gerar energia elétrica. De forma resumida, no verão brasileiro é necessário gerar calor queimando carvão para ligar o ar condicionado que refresca as residências.
Falando em verão, a ventilação cruzada é um exemplo de método passivo para resfriamento natural que pode ser utilizada amplamente no Brasil. A localização do edifício deve considerar as condições locais, como aproveitar as correntes de vento predominantes durante os meses quentes de verão para aproveitar ao máximo esta técnica (Sócrates já pensava isso!). Além disso, aberturas estrategicamente posicionadas próximas ao teto atuam como saídas para o ar quente que se acumula próximo às áreas superiores, reduzindo efetivamente as temperaturas internas.
A insolação (exposição à luz solar) funciona segundo um princípio semelhante. Envolve alinhar a orientação do edifício com o terreno para garantir a entrada direta da luz natural, principalmente no inverno. Também é crucial levar em consideração como a exposição solar afeta os materiais de construção. Esses materiais devem possuir inércia térmica compatível com o efeito desejado, o que significa que podem absorver calor durante o dia e liberá-lo gradativamente à noite, ou facilitar essas trocas de calor.
Os esforços para priorizar a arquitetura passiva dependem da abordagem dos arquitetos desde o início do projeto. Um destaque é o arquiteto brasileiro João Filgueiras Lima (Lelé) . Ele ganhou reconhecimento por seu uso extensivo de estratégias passivas, com forte ênfase na ventilação cruzada e iluminação natural. Particularmente em ambientes de saúde, a integração de sistemas de ventilação natural também reduz o risco de transmissão de doenças e infecções.
Em um olhar para projetos bioclimáticos notamos que inicialmente a demanda de energia para climatização passa a ser menor, e a pouca energia que ainda é necessária pode ser gerada facilmente através de fontes renováveis em situações onde as medidas passivas não sejam suficientes como em dias de temperaturas extremas. São menos investimentos em painéis solares e em redes de abastecimento.
Esse conceito de arquitetura de baixo impacto é explicado através do "alvo" abaixo, onde o ponto principal é conhecer as estratégias de arquitetura a serem aplicadas a cada clima (arquitetura passiva), em um segundo momento aplicam-se as estratégias de arquitetura ativa, ou seja, os equipamentos necessários devem possuir o máximo de eficiência energética comprovada, e na última fase, a demanda de energia resultante deve ser renovável e de fontes de baixas emissões de GEE. Esse é o caminho das edificações de consumo zero de energia (ZEB).
Segundo a ONU, a incidência solar na Terra supera a demanda elétrica, o que indica que existe uma forma mais responsável de viver bem. Em termos de vida útil da edificação, a arquitetura passivo diminui a necessidade de manutenção, posto que não depende tanto de climatização artificial. Isso significa também que existem menos chance de interferências nas fachadas e estruturas, o que também é um benefício para ocupantes e construtoras.
Alcançar zero emissões de GEE nas novas construções exigirá edifícios energeticamente eficientes que não utilizem energia com base em combustíveis fósseis na sua construção e funcionamento e que sejam 100% alimentados por energia renovável. É preciso lembrar que a arquitetura passiva é um dos componentes de um sistema integrado que engloba as edificações desde a ideia inicial até o período de utilização, diferente do processo convencional de mercado que pensa na arquitetura apenas até o momento da entrega da obra.
Os padrões mínimos de desempenho e os códigos de energia dos edifícios estão aumentando em termos de âmbito e rigor em todos os países, e a utilização de tecnologias de edifícios eficientes e renováveis está acelerando. No entanto, o setor precisa de mudanças mais rápidas para avançar com o Cenário de Emissões Líquidas Zero até 2050 (NZE). Esta década é crucial para a implementação das medidas necessárias para atingir as metas de todos os novos edifícios e de 20% do parque imobiliário existente estar pronto para emissões de carbono zero até 2030.
O projeto ambientalmente responsável aproveita as condições naturais e deve fazer parte do conhecimento básico de todos envolvidos na construção civil. Medidas individuais são importantes porque refletem uma mudança de postura, e arquitetos e engenheiros devem assumir seu papel de liderança no mundo que vamos construir nos próximos anos.
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